Capítulo I.
"Criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a algo novo. Em qualquer que seja o campo de atividade, trata-se, nesse 'novo', de novas coerências que se estabelecem para a mente humana, fenômenos relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos. O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar."(pg. 09)
"Assim, ao abordarmos em seguida alguns aspectos do ser consciente/sensível/cultural, queremos deixar bem claro que o nosso enfoque continua sendo a cultura. Importa-nos mostrar como a cultura serve de referência a tudo o que o indivíduo é, faz, comunica, à elaboração de novas atitudes e novos comportamentos e, naturalmente, a toda possível criação." (pg. 12)
"Ao se tornar consciente de sua existência individual, o homem não deixa de conscientizar-se também de sua existência social, ainda que esse processo não seja vivido de forma intelectual (...) Representando a individualidade subjetiva de cada um, a consciência representa a sua cultura." (pg. 16)
"(...) Nessa integração que se dá de potencialidades individuais com possibilidades culturais, a criatividade não seria senão a própria sensibilidade. O criativo do homem se daria ao nível do sensível." (pg. 17)
"(...) Em nossa experiência vivencial estruturam-se configurações de vida interior, formas psíquicas, que surgem em determinados momentos e sob determinadas condições, e são lembradas, 'percebidas' em configurações. De modo similar ao da percepção, pelos processos ordenadores da memória, articulam-se limites entre o que lembramos, pensamos, imaginamos, e a infinidade de incidentes que se passaram em nossa vida. De fato, se não houvesse essa possibilidade de ordenação, se viessem anarquicamente à tona todos os dados da memória, seria impossível pensarmos ou estabelecermos qualquer tipo de relacionamento. Seria impossível funcionarmos mentalmente." (pg. 19)
"Na percepção de si mesmo o homem pode distanciar-se dentro de si e imaginativamente colocar-se no lugar de outra pessoa. Em virtude do distanciamento interior, a expressão de sensações pode transformar-se na comunicação de conteúdos subjetivos. O homem pode falar com emoção, mas ele pode falar também sobre as suas emoções. estende a comunicabilidade a conteúdos intelectuais. Ele pensa e pode falar sobre os seus pensamentos. Refletindo a respeito dos dados perceptivos do mundo, o homem pode formular ideias e hipóteses de crescente complexidade intelectual e comunica-las aos outros como propostas de futuras atividades." (pg. 22)
"Temos de levar em conta que uma realidade configurada exclui outras realidades, pelo menos em tempo e nível idênticos. É nesse sentido, mas só e unicamente nesse, que, no formar, todo construir é um destruir. Tudo o que num dado momento se ordena, afasta por aquele momento o resto do acontecer. É um aspecto inevitável que acompanha o criar e, apesar de seu caráter delimitador, não deveríamos ter dificuldades em apreciar suas qualificações dinâmicas. Já nos prenuncia o problema da liberdade e dos limites." (pg. 26)
"Não acreditamos que seja o conflito emocional o portador da criatividade. O que o conflito faria, dada sua área e sua configuração particular em cada caso, ao intervir na produtividade de um artista, seria eventualmente propor a temática significativa por ser ela tão imediata e relevante para a pessoa (...) Mas o conflito pessoal não poderá em si ser confundido nem com o potencial criador existente na pessoa, nem com a capacidade de elaborar criativamente um conteúdo. Ao contrário. O quanto existe de elaboração visível na obra artística, nos indica exatamente a medida de controle que o artista ainda pôde exercer sobre o seu conflito." (pg. 29)
RESUMO COMENTADO.
O indivíduo vive uma eterna simbiose entre si e o meio cultural em que vive. A cultura é fundamental para o processo de criação que se dá através da sensibilidade. Faz parte da condição humana, evoluir, crescer, desenvolver-se, criar. Pensando e sentindo, sentindo e pensando, inicio uma tensão psíquica, um conflito interno entre referências pessoais, que me são únicas, e este primeiro capítulo lido. Começo a criar intencionalmente um texto que não resuma mas que expresse a minha percepção deste capítulo. Esta intencionalidade vai sendo consciente à medida em que escrevo essas linhas. Muitas linhas, páginas, frases e palavras foram lidas. É preciso que eu ordene meus pensamentos a fim de estabelecer aqui um diálogo. Não tenho como não associar algumas passagens do livro com experiências já vividas. A memória segundo o psicólogo Augusto Cury, não pode ser apagada mas sim, editada. É na memória que se encontram passado, presente e futuro. Esse trio temporal reside em nossas mentes, seja consciente ou inconscientemente. Enquanto a criação nos é uma dádiva do inconsciente, o ato criador divinamente nos é consciente à medida em que expressado. E é nesse campo da percepção (consciente) que se dá o ato criativo no processo da criação. Penso, logo crio. Sinto, logo crio. Crio, logo vivo. Vida é movimento e é nesse movimento que minha consciência se desenvolve, percebendo e trocando com o exterior. Seja através de palavras ou outras formas simbólicas. A cultura, as relações, as convenções são fundamentais para esse desenvolvimento também sensível. É no potencializar da sensibilidade consciente que me percebo e percebo o outro. E são diversas as formas de se comunicar, de se expressar, de criar. De dar forma a uma realidade que está em construção. Sendo destruída para ser construída. É por vivermos em uma sociedade cultural que somos indivíduos com bagagens, alegrias, tristezas, vitórias e derrotas particulares a cada um de nós. São essas singularidades que promovem a pluralidade cultural. E é essa ordenação interior que nos impulsiona a criar. É interessante e importante notar que o ato de criar não nos esvazia. Vejo como um processo de retro/alimentação. Não penso como um processo de industrialização, onde as máquinas se enchem de matérias e cospem produção em massa. É como os pranayamas, exercícios respiratórios onde mesmo na expiração, o esvaziamento de ar dos pulmões não chega a ser um esvaziamento no sentido de não existir mais nada, mas um esvaziamento de devolução do que fora inspirado anteriormente. Uma troca com a natureza. Onde o externo e o interno nos perpassam como o vento que não vemos mas sentimos. Fico aqui pensando na metafísica e seu potencial criador. De como o pensamento tem força. De como uma casa surge no campo das ideias para depois passar para o papel e, em seguida, ser levantada enquanto estrutura física. Os decretos da chama violeta se utilizam da imaginação para mentalizar cores e palavras a fim de transmutar energias negativas em positivas. Criamos mentalmente, círculos cromáticos a fim de curar, limpar tanto ambientes como nós mesmos. Em minhas experiências como ator, nos processos de criação, lembro de Stanislavski e seu pensamento a cerca do uso de sentimentos análogos para a construção de personagens. Mais uma vez, a ordenação interior, o conflito pessoal e individual potencializando o ato de criar. O conflito aqui não é a mola propulsora mas o controle deste conflito alimenta o processo criativo. Não incorporo um personagem. Faço ele nascer de dentro, mesmo que com técnicas externas como as ações físicas. O externo me parece como algo a mobilizar o meu interno a fim de que ele se expanda, crie forma.
Capítulo II.
"O homem elabora seu potencial criador através do trabalho. É uma experiência vital. Nela o homem encontra sua humanidade ao realizar tarefas essenciais à vida humana e essencialmente humanas. A criação se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a necessidade que gera as possíveis soluções criativas. Nem na arte existiria criatividade se não pudéssemos encarar o fazer artístico como trabalho, como um fazer intencional produtivo e necessário que amplia em nós a capacidade de viver." (pg. 31)
"(...) Pelo contrário, o pensar só poderia tornar-se imaginativo através da concretização de uma matéria, sem o que não passaria de um divagar descompromissado, sem rumo e sem finalidade. Nunca chegaria a ser um imaginar criativo. Desvinculado de alguma matéria a ser transformada, a única referência do imaginar se centraria no próprio indivíduo, ou seja, em certos estados subjetivos desse indivíduo cujos conteúdos pessoais não são suscetíveis de participação por outras pessoas. Seria um pensar voltado unicamente para si, suposições alienadas da realidade externa, não contendo propostas de transformação interior, da experiência, nem mesmo para o indivíduo em questão." (pg. 32/33)
"Daí não se conclui que a linguagem em si seja subjetiva. Ela é objetivada como ordenação essencial de uma materialidade. Essa objetivação da linguagem pela matéria constitui um referencial básico para a comunicação." (pg. 37)
"O que, portanto, se coloca aqui é que, para poder ser criativa, a imaginação necessita identificar-se com uma materialidade (...) Mas sempre conta a visão global de um indivíduo, a perspectiva que ele tenha do amplo fenômeno que é o humano, o seu humanismo. São seus valores de vida que dão a medida para seu pensar e fazer." (pg. 40)
"É claro que o contexto cultural em si não geraria a personalidade de Leonardo da Vinci. Pensar assim, seria formar um juízo demasiadamente determinista do desenvolvimento humano. Todavia, o contexto cultural, como substrato do ser individual do homem, fornece determinadas condições que permitem a manifestação e talvez até a realização de certas propostas que em outras épocas seriam inconcebíveis." (pg. 46)
"Daí se nos apresenta outro aspecto que tanto nos fascina no mistério da criação: ao fazer, isto é, ao seguir certos rumos a fim de configurar uma matéria, o próprio homem com isso se configura (...) Seguindo a matéria e sondando-a quanto à 'essência de ser', o homem impregnou-a com a presença de sua vida, com a carga de suas emoções e de seus conhecimentos. Dando forma à argila, ele deu forma à fluidez fugidia de seu próprio existir, captou-o e configurou-o. Estruturando a matéria, também dentro de si ele se estruturou. Criando, ele se recriou." (pg. 51)
RESUMO COMENTADO.
A criatividade não está somente relacionada as artes e isso gera um desentendimento nada saudável. Muitos pensadores excluem a arte do trabalho, considerando este último como um fazer tecnicista e de produção em massa, excluso do pensar e sentir. Trabalhar é produzir, é agir impulsionado pela vida, para a vida e criativamente. A linguagem que construo seja no teatro, na dança, como na engenharia, tem princípios similares, análogos. Os processos criativos podem se dar em diferentes linguagens, em diferentes áreas de atuação e nascem globalmente da relação do indivíduo com sua cultura. Ao invés de mobilizarmos mais processos criativos, adestramo-nos, uns aos outros. O filósofo cria. O padeiro cria. O professor cria. O artista cria. O desempregado cria. Criar está relacionado a vida, ao indivíduo e a sociedade. É importante que haja uma ordenação interior a fim de que a subjetividade seja objetivada no intuito de concretizar, de comunicar. O criar tem a ver com essa comunicabilidade entre os indivíduos, os seres vivos, - levando-se em consideração que os animais 'irracionais' também criam porém, num outro nível de sensibilidade - esse é o seu caráter, pois sem o diálogo, o imaginar passa a ser uma alienação de si mesmo. Por mais que sejamos indivíduos e tenhamos mil pensamentos a cerca do que seja a solidão - por exemplo -, é nos relacionando que encontramos a vida. Por isso o respeito é tão importante. Vários universos distintos em universos maiores, a sociedade. É preciso que haja troca. A materialidade envolve um relacionamento afetivo entre o indivíduo e a matéria, assim como, depende de valores, contextos culturais/históricos e limitações tecnológicas para dar forma, concretizar a criação. Ao criar, ao dar forma, o indivíduo estará expressando esses valores culturais de sua época e sociedade. Por mais que o contexto cultural da época vivida nos leve - seja por meio de repressão - a uma forma padrão de criar, criaremos cada qual do seu jeito por mai sútil que seja. É a digital. A individualidade é característica inerente ao processo criativo. É aqui, durante o ato de criação que matéria e criador também se transformam. Ambos fazem parte da criação. À medida que modifico a matéria, sou modificado. É preciso perceber a matéria. Qual o seu tipo ? Quais as suas limitações ? As especificidades. As particularidades. A materialidade aqui não necessariamente precisa ser algo concreto. Pode ser um pensamento, no caso da filosofia. A matéria em si traz particularidades que delimitam o processo criativo, impulsionando o indivíduo a um imaginar específico a fim de detalhar melhor, dar forma, conteúdo. A especialização em demasia não é o que se procura. É preciso pensar no todo também. Essa especificidade amplia as possibilidades de criação e não reduz.
Capítulo III.
"Assim como o próprio viver, o criar é um processo existencial. Não abrange apenas pensamentos nem apenas emoções. Nossa experiência e nossa capacidade de configurar formas e de discernir símbolos e significados se originam nas regiões mais fundas de nosso mundo interior, do sensório e da afetividade, onde a emoção permeia os pensamentos ao mesmo tempo que o intelecto estrutura as emoções. São níveis contínuos e integrantes em que fluem as divisas entre consciente e inconsciente e onde desde cedo em nossa vida se formulam os modos da própria percepção. São os níveis intuitivos do nosso ser." (pg. 56)
"Na última subcena, numa sequência de comportamentos assinalados como 'corretos', um operário é representado recebendo seu salário com uma das mãos. Para o operário negro na África do Sul, esse gesto tem conotações opostas. É costume receber coisas com as duas mãos, e dar com uma mão. Assim, a moral da história foi obscurecida por um lapso acidental, já que, no cartaz, o receptor do salário era visto, não como recebendo uma recompensa pelo trabalho bem feito, mas, ao contrário, como doador de dinheiro." (pg. 59)
"A partir dos diversos fatores que interagem na percepção e mutuamente se influenciam - a imagem referencial, a constância de imagem com os nivelamentos e as simultâneas diferenciações - não somente cada imagem visual surge de início imbuída de significados, como também surge imbuída de valorações." (pg. 64)
"As conclusões muitas vezes nos surpreendem como um resultado original. O seu sentido novo pode até mesmo ser inesperado e, no entanto, formula uma visão de certo modo pressentida. Confirma essa visão. Sentimos que a ordenação concreta a que chegamos abrange a razão de ser da situação, abrange toda sua lógica íntima, o verdadeiro sentido. É o insight, a visão intuitiva. Sabemos de repente, temos inteira certeza, que desde o início era esse o seu significado." (pg. 67)
"(...) Qualquer conceito é, portanto, uma forma face à sua estrutura (...) o conceito é referido ao nosso sensório e é também interpretado por nós em termos sensoriais (...) Nesse sentido, o conceito é uma forma (...) A forma nunca é um conceito. A forma se caracteriza por sua natureza sensorial." (pg. 69)
"É possível, porém, que o próprio conceito de uma inspiração seja equivocado, e indispensável (...) Podemos entender todo fazer do homem como sendo inspirado se o qualificarmos pelo potencial criador natural, pela inata capacidade de formar e intuir, por sua espontânea compreensão das coisas." (pg. 73)
"Seu caminho, cada um o terá que descobrir por si. Descobrirá, caminhando. Contudo, jamais seu caminhar será aleatório. Cada um parte de dados reais; apenas, o caminho há de lhe ensinar como os poderá colocar e com eles irá lidar." (pg. 76)
RESUMO COMENTADO.
A criatividade se baseia num processo de observação do externo em diálogo com ordenações internas, pessoais. Neste diálogo, e pelo fato de nossa memória ser 'o orientador' na percepção, apesar de um resultado novo, sentimos que este mesmo resultado era algo esperado por nós, o insight. Durante os processos criativos, o indivíduo passa por emoções como tristezas, alegrias comuns ao ser humano. Cabe à tensão psíquica concentrar o indivíduo em si a fim deste poder sempre retomar o trabalho retomando o estado inicial da criação. Cada cultura traz em si valorações, imagens referenciais - estas são constantes, não se modificam a não ser que o indivíduo aspire essa transformação e revalorização de sua cultura, com a aculturação por exemplo - que povoam as nossas mentes. Isso torna a cultura do nosso planeta uma cultura plural. Aculturar-se é importante no âmbito de ampliação de conhecimentos, consciência e do ser sensível, além de ajudar na comunicação que é o sentido maior da criação. Percebendo essas diferenças, abrimo-nos para o novo. A percepção é o próprio intuir, onde observamos um fenômeno e através destes referenciais pessoais ordenamos, estruturamos as informações selecionadas pelo que mais nos importa. A elaboração seria tal qual uma bússola nos processos criativos que vai guiando o pesquisador/criador a escolher/selecionar através de sua personalidade, caminhos e opções, direcionando sua pesquisa para uma resolução. A maneira como percebemos as situações e os fenômenos variam de indivíduo para indivíduo e, inclusive, variam num mesmo indivíduo levando-se em conta os diferentes momentos em que este mesmo indivíduo se encontra e os torna diferente de si mesmo. Já percebemos estruturando as informações/imagens em ordenações, estruturas possíveis de uma coerência interna a fim de criarmos coerentemente também. O instinto de uma certa forma antecede o fenômeno. O fenômeno quase sempre antecede a intuição a fim de possibilitar a percepção imediata/espontânea. Por isso, intuição e instinto diferem. Intuir é formar. Conceito é forma, mas o contrário não se dá. Formar é não-verbal, está mais relacionado a signos, configurações de natureza sensorial. É o caminho. Já os componentes em formação podem ser verbais. Formar é fazer, é objetivar, é agir, é concretizar, é transformar-se. A autora cita a 'arte conceitual' como isenta desta responsabilidade de ações com sentido. Esta arte se faz e se desfaz em si mesma, alienando o indivíduo do seu potencial criador e transformador.
Capítulo IV.
"(...) Certas coisas serão condicionadas, o choro, o colo, a atenção da mãe. Percebendo que foi para o colo quando estava molhado e chorou, o bebê começa a sentir que, chorando, pode ir para o colo. Numa próxima vez talvez chore, não porque esteja molhado mas porque queira ir para o colo. Ele aprende que as coisas podem ser solicitadas pelo seu comportamento." (pg. 77)
"(...) Através do enfoque predominantemente sensorial que se dá em ordenações de campo, a percepção de si, das matérias e do próprio fazer, se articula sempre de um modo mais subjetivo e específico, e mais direto. Nas ordenações de grupo em que se compara e se generaliza, a percepção pode ser entendida como sendo mais objetivada (...) essas ordenações permitem ao homem enveredar, pensador e experimentador que é, pelos invisíveis e imprevisíveis caminhos da elaboração intelectual." (pg. 82)
"Nossa vigilância tem diversos níveis, variando de um estado de concentração focalizada a um estado de atenção subliminar. enquanto estivermos concentrados na forma de um determinado campo, permanecemos conscientes de áreas periféricas com uma atenção mais difusa. Qualquer alteração nessas áreas, sobretudo se for abrupta e envolva algum tipo de movimento, imediatamente atrai nosso interesse. Poderão assim as periferias tornar-se a nova situação, centro de nossas atenções." (pg. 88)
"É nisso, essencialmente, que diferem as ordenações de grupo: no modo de se fazerem as ligações. Agrupando através de comparações, relacionamos de grandeza menor para maior. Procuramos, e portanto encontramos, o genérico antes do específico." (pg. 89)
"(...) Em todas as obras de arte, em qualquer das artes, o artista usará concomitantemente as ordenações de grupo e as de campo; em sua linguagem se complementarão ao mesmo tempo aspectos intelectuais e sensuais da experiência. Como ordenações de grupo, havemos de reconhecer um padrão coerente segundo o qual se determina a dinâmica da obra, nas proporções e no ritmo dos vários componentes (componentes e intervalos), ao passo que através de ordenações de campo se configura a especificidade material da obra em termos de sua existência concreta e única. Assim, pela linguagem, a obra de arte afirma em nós a dupla experiência: a do fenômeno do ser e a da ordem do ser." (pg. 90)
"Quando não semelhantes, os componentes devem ser dessemelhantes, isto é, a diferenciação ainda deve permitir um denominador comum, à base do qual se estabeleça o relacionamento." (pg. 92)
"A ideia de partes é válida para objetos, ou para configurações que sejam concebidas como estáveis num espaço-tempo, também concebido como relativamente estável. Em formas artísticas, as partes correspondem a divisões internas produzidas por contrastes. Subdividido em áreas subordinadas e dominantes, áreas de transição e áreas de clímax, o todo pode ser percebido como um conjunto composto e articulado em seu conteúdo expressivo - a função das partes sendo precisamente a de explicitar uma totalidade que contenha uma medida de desenvolvimento interior. Só assim a estrutura pode tornar-se forma simbólica e pode comunicar o conteúdo expressivo." (pg. 94)
"Por isso é impossível voltar atrás e decompor uma forma, desagregá-la ou dissolvê-la. Novamente, forma não se reporta só à arte. Todas as manifestações de nossa vida e todas as experiências são formas, fenômenos estruturados e apreendidos através de processos também estruturados. Impossível, então, deveras irrealizável, é desfazer um acontecimento, eximir-se dele ou supor que não existiu. Por acontecer, o fato configura algo e, ao configurar, modifica algo. Modifica certas realidades - em nós também. A única coisa possível é elaborarmos as formas a partir de sua existência, em busca de novas realidades. Só podemos mesmo criar." (pg. 96/97)
"Poder alcançar um estado de equilíbrio, sensibiliza-nos como uma verdadeira conquista. O equilíbrio não anula as forças diferentes. Para o homem, em qualquer situação de vida trata-se de conviver com essas forças, viver através delas e incorporá-las com vistas a uma maior diferenciação. Com isso o homem amplia a apreensão da realidade. Quando vemos uma forma expressiva, vemos em seu equilíbrio interior que as várias forças diferentes foram de algum modo reunidas e em algum ponto compensadas, adquirindo um novo sentido de unidade. Na forma expressiva, os elementos complexos da experiência humana não se descaracterizam, eles se esclarecem a um nível mais significativo." (pg 99)
RESUMO COMENTADO
Os processos de criação, de percepção se dão através de relacionamentos. Esses são as formas a que a autora se refere neste livro. Formar é se relacionar com o ambiente, o contexto cultural e com outras pessoas. Como já fora dito anteriormente, é se relacionar afetivamente com a matéria. O exemplo do bebê em seus primeiros dias de vida, é fantástico e tocante no que se refere à experimentação, a identificação através da percepção de imagens referencias novas para ele. A ordenação com que se estrutura primeiramente o sensório a partir da experiência imediata para consequentemente racionalizar é o processo de criação da humanidade, ou humanização, que vem acontecendo desde os primórdios. Primeiro, experimentamos para depois refletirmos numa ordenação que a autora chama de ordenação de grupo. Pelo fato de já termos avançado séculos de racionalização, essa ordenação inicial a que a autora se refere como de campo, que se dá através do sensível, vem perdendo sua essência pelo acúmulo de valores impregnados de esteriótipos e rótulos. O indivíduo não mais experimenta, relacionando-se e a partir daí forma, configura. As formas já estão cristalizadas - percebemos também uma educação tecnicista e de adestramento desde a infância a fim de condicionar o futuro adulto a repetir ações - a ponto de comprometer a individualidade positiva, ou seja, somos uma sociedade com 'indivíduos' condicionados a pensarem de um único jeito, em um único caminho. É natural que pela diversidade cultural existente em nosso planeta, isso ainda não seja uma regra. O fato dessa diversidade ainda existir e pela aculturação, o indivíduo ainda pode experimentar, engatinhando como um bebê ao contato de uma nova cultura. As relações se dão em campo e/ou agrupamento, sendo que uma linha de segregação entre esses dois tipos é mais para definir, uma vez que ambas se misturam. As de campo, dar-se-iam mais na especificidade enquanto as de agrupamento, de maneira mais generalizada. Ao observarmos um fenômeno, teremos sempre em vista este fenômeno de maneira integral, totalitária. Por mais que recortemos ou em partes ou em níveis, o todo não pode ser esquecido. Estes mesmos fenômenos terão diversificadas e definitivas formas. A estruturação, ordenação, interligação e relacionamento entre os componentes gerarão formas sempre originais. Se pensarmos uma obra de arte, está terá formas diferentes para cada observador e até mesmo para um mesmo observador. Não porque mudou-se a forma anterior. A obra continua a mesma, mas porque talvez o observador não seja o mesmo, a cultura não seja a mesma e até mesmo quando esses últimos não são mais os mesmos, é porque suas formas no presente já não são mais as mesmas. As suas formas passadas não foram mudadas, elas eram o que foram. Não há como voltar no tempo e mudar. O que se pode e se deve fazer, é criar novas formas e sempre originais. Essa formação nova sempre irá desequilibrar o observador perante o fenômeno, pois buscando um equilíbrio precisará ordenar sempre a cada percepção.
Capítulo V.
"O indivíduo talvez discorde de certas aspirações formuladas pelo contexto cultural; mesmo assim, é deste contexto que ele partirá para a crítica." (pg. 101)
"O homem desdobra o seu ser social em formas culturais. O estilo, por exemplo (...) O estilo é forma de cultura." (pg. 102)
"Para ilustrar o diálogo constante e dinâmico entre o contexto cultural/padrão de valores e a criatividade individual/valores individuais, escolhemos a problemática da perspectiva." (pg. 104)
"A perspectiva é um sistema de representação do espaço. Projetadas sobre uma superfície, as figuras de objetos ocupam, em planos superpostos, determinadas posições de proximidade e de distância. segundo o seu distanciamento, os objetos aparentam certas alterações de tamanho, de cor, de ângulo de luz e de orientação no espaço. Tanto os objetos como os espaços intermitentes são vistos afastarem-se progressivamente para o fundo, partindo de um plano frontal que corresponde à posição do espectador. Esse afastamento ocorre num movimento visual constante e graduado em contínuas diminuições, e dele resulta uma visão integrada da profundidade do espaço na forma de uma sequência única, unificada e causal. É a visão da perspectiva." (pg. 104)
"A forma da perspectiva contém em suas ordenações um significado que, como valor, se coloca fora da cosmovisão medieval. Implica não só uma materialização do espaço, mas sobretudo implica uma atitude racionalista ante a materialização. Essa atitude de modo algum cabia nos valores vigentes. Não se coadunava à noção de primazia do espírito onde a matéria era considerada perecível e, principalmente, desprezível, e onde ao espiritual, exclusivamente, cabiam as qualificações positivas e válidas da vida." (pg. 106)
"Na arte moderna, não se encontra a perspectiva como configuração do espaço. Seria impossível atribuir esse fato a qualquer tipo de ignorância. A perspectiva é conhecida por nós. Ela está sendo ensinada nas escolas e é profissionalmente praticada; um arquiteto, um desenhista industrial, ao projetar uma mesa, lançara mão da perspectiva. Mas hoje a perspectiva representa apenas uma técnica de projeção, um método. Deixou de ser uma forma expressiva.." (pg 116)
"Sua temática não é mais o espaço, e sim as emoções, o impacto de forças que agem sobre o homem, em termos de emoção: tensão, agitação, excitação, atomização. Como é formulada, representa uma visão nada reconfortante, quase sem esperanças. Nela, Pollock releva o drama do indivíduo na sociedade moderna, do ser humano que é atomizado e se desintegra em sua vida, diante de forças que os esmagam e o absorvem em ritmos incontroláveis." (pg. 122/125)
RESUMO COMENTADO
Apesar de nos relacionarmos e ordenarmos, selecionando a partir de um referencial pessoal e individual, existem valores e contextos culturais que são de ordem coletiva e social. Mesmo que critiquemos uma cultura vigente, transformando-a em outras realidades, ainda assim partiremos desta cultura. Para falar sobre este diálogo, a autora parte da problemática da perspectiva. De como a perspectiva na Idade Média, Renascimento, não era possível de existir enquanto forma expressiva pois ela partia de uma racionalização da matéria no espaço e essa racionalização não era condizente com os valores culturais que cultuavam a espiritualidade em detrimento da matéria, naquela época. Mesmo assim, foi a partir de uma cultura negadora da matéria que se foi possível pensar a perspectiva e iniciar um processo de transformação daquela realidade que com o passar dos anos e mudanças para estilos como o cubismo e o barroco, teve a perspectiva inserida, aceita enquanto expressão artística, reinventada e até mesmo nos tempos modernos, esquecida.
Capítulo VI.
"Quando mudam os comportamentos da criança e mudam as formas de expressão, essa mudança formal não se deve a intenções estéticas. Deve-se ao processo de crescimento e de desenvolvimento da criança, às suas relações afetivas com ela mesma e com o muno adulto, e à sua evolução para níveis de independência interior. Às idades subsequentes, digamos aos 2, 4, 7, 10 anos de vida, normalmente correspondem modificações na forma expressiva. Vale observar, porém, que até uma idade próxima à puberdade, as alterações na linguagem artística - tanto nos elementos usados como na maneira de composição - que ocorrem nas várias fases do crescimento infantil, são surpreendentemente similares em todas as crianças, não obstante diferenças individuais de temperamento e de sensibilidade. As alterações estilísticas pouco variam até de cultura para cultura. Poder-se-ia chamar a esse desenvolvimento quase que de estilo biológico." (pgs. 127/128)
"Se até aqui nos detivemos em alguns aspectos da criatividade infantil pretendíamos em realidade iluminar certos ângulos da criatividade adulta. A criatividade infantil é uma semente que contém em si tudo o que o adulto vai realizar. Interessam-nos as comparações com o mundo infantil para podermos enfocar mais claramente o início dos processos criativos e também o seu desenvolvimento sob determinadas circunstâncias culturais, mas, enquanto fenômeno expressivo, a criação tem implicações diferentes para a criança e para o adulto. Nas crianças, o criar - que está em todo o seu viver e agir - é uma tomada de contato com o mundo, em que a criança muda principalmente a si mesma. Ainda que ela afete o ambiente, ela não o faz intencionalmente; pois tudo o que a criança faz, o faz em função de necessidade de seu próprio crescimento, da busca de ela se realizar. O adulto criativo altera o mundo que o cerca, o mundo físico e psíquico; em suas atividades produtivas ele acrescenta sempre algo em termos de informação, e sobretudo em termos de formação. Nessa sua atuação consciente e intencional, ele pode até transformar os referenciais da cultura em que se baseiam as ordenações que faz e aos quais se reportam os significados de sua ação." (pg. 130)
"Na visão do potencial criador do homem como um potencial estruturador, propomos desvincular a noção da criatividade da busca de genialidade, de originalidade, e mesmo de invenção." (pg. 132,133)
"Os atributos de genial, original e inovador como qualidades que caracterizam a criação, nos foram legados pelo Renascimento. Adquiriram esse sentido valorativo quando, na época, a individualidade procurava sobrepor-se, socialmente, por seus próprios méritos à rígida estratificação medieval, onde a ascendência de classe ou de profissão determinava a posição social da pessoa. Há de se ver o quanto essa situação se modificou em nosso tempo. Ao passo que no Renascimento se avaliavam as qualidades extraordinárias de um trabalho realizado, sempre no domínio de uma técnica plenamente adequada ao que se almejava obter e à altura dos ideais da sociedade, hoje essas noções servem de programação de currículo: 'seja criativo', 'seja genial', 'seja original'. Propõe-se a genialidade como uma maneira de ser, como se o ser criativo fosse manipulável e redutível a comportamentos volitivos, e não fosse o próprio viver. O fato é que o excepcional é valorizado indiscriminadamente sob as mais diversas formas sociais (ou associais). Ao mesmo tempo, a excepcionalidade é usada como um parâmetro para aferir o desempenho criativo dos indivíduos. Num quadro cultural como o nosso, de condicionamentos massificados, só é criativo quem consegue ser 'genial' - não alguém que fosse espontâneo, autêntico, imaginativo, sensível; tampouco se concebe que o potencial criador do homem possa desdobrar-se no trabalho ou em função da maturidade alcançada, na visão generosa da convivência humana, pois a própria criatividade é considerada como algo inteiramente à margem do fazer natural." "Na visão do potencial criador do homem como um potencial estruturador, propomos desvincular a noção da criatividade da busca de genialidade, de originalidade, e mesmo de invenção." (pg. 133)
"Não deixa de ser significativo que em nossa sociedade se valorize justamente este aspecto da imaginação humana: o engenhoso, a inventividade intelectual que é relativamente desvinculada da emotividade e do envolvimento em nossa consciência. No presente contexto cultural, a descoberta da novidade passou a ser uma preocupação central, obsessiva até. É o novo, o inédito, o insólito que se procura, não a bem da humanidade e para satisfazer uma necessidade real, mas 'o novo pelo novo', a substituição apenas pela substituição. Numa excitação febril e espasmódica, em parte induzida e em parte já consequência de um processo que gira em ponto morto, é a substituição que substitui - como se substituir em si fosse valor de vida - a pesquisa, o questionamento, o próprio trabalho. É o novo, novíssimo, indubitavelmente melhor porque indubitavelmente mais recente. Qualidades cronológicas logo corroídas pelo tempo." (pg. 136)
"Assim, inventa-se uma criatividade que se condensa, prioritariamente, no ser jovem, transferindo-se para a faixa de adolescência o clímax da produtividade humana e o significado das concretizações de vida, com o maior descaso pelas potencialidades humanas mais amplas. Ressuscita-se novamente a genialidade, só que dessa vez vestida com roupas jovens, como parâmetro de atividades e resultados criativos. Dispensam-se os processos de crescimento e de amadurecimento, os processos de identificação da personalidade, e dispensam-se os tempos internos como de somenos, supérfluos e inúteis para a vida. Em nosso contexto cultural, a maturidade é negada como um valor. Com isso riscam-se os níveis de conscientização espiritual que o homem pode atingir, as verdadeiras dimensões humanas, pois o entusiasmo idealista do jovem é uma coisa, será outra coisa quando esse idealismo, na maturidade, se converter em generosidade e amplitude de compreensão." (OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. pg. 138)
"Um Rembrandt, de talento invulgar, aos 18 anos já se estabelecendo como mestre pintor independente, pinta à maneira de Pieter Lastman (professor de Rembrandt e assim entrando para a posteridade). Ainda aos 30 anos, ou já aos 30 anos, quando se tinha tornado um pintor original e excelente, ao lado de outros pintores originais e excelentes de sua época, da estatura de um Rubens, um Frans Hals, um Vermeer, ainda não era 'Rembrandt'. Ainda por processos íntimos misteriosos, ele haveria de crescer e chegar a ser esse homem singular que conseguiu afirmar o sentido da vida, de infortúnios pessoais em seu caso, num vislumbrar de possibilidades espirituais tão extensas que vêm a criar a essência de uma nova humanidade no homem. Sua solidão, Rembrandt conseguiu transformá-la em força interior, em compaixão e compreensão sempre mais ampla ao aceitar dentro de si a trágica dignidade do existir humano, esse existir-no-saber." (OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. pg. 139)
"Todavia, a equação preço = valor não funciona porque a própria equação - preço igual a valor - não existe. Preço não é igual a valor. Nada 'é igual' a valor. Só o valor é valor. As genuínas realizações humanas são valores. A começar pelos processos de crescimento e de maturação espiritual, tudo o que o homem tem de especificamente humano dentro de si, a compreensão, a inteligência, a generosidade, a ternura, o amor, o respeito, a dignidade, a coragem, a confiança, os relacionamentos afetivos de que o homem é capaz, os conhecimentos e os conteúdos espirituais, são valores. Sua criatividade e suas criações são valores. São valores de produtividade humana, valores de consciência. São intraduzíveis. Não têm preço. " (pg. 143)
RESUMO COMENTADO
É no processo de crescimento que o indivíduo se conhece. Nessa busca pelo conhecimento, reorganiza seu interior - conhecendo-se e transformando-se - e se potencializa em identidade participando responsavelmente na sociedade. Este processo de maturação é imprescindível para a criação, não havendo uma validade para esta evolução criativa perante a um estado de lucidez e saúde, podendo o indivíduo mesmo na velhice continuar seu desenvolvimento. Esta maturação criativa não se desassocia da espiritual, pois assim seria apenas uma invenção, uma inovação. Conforme criamos em dialógo com a nossa sociedade cultural, sofremos um processo predatório competitivo (uma vez que nossa cultura é capitalista e tem como lema a 'lei do mais forte') onde a juventude em sua recente experimentação de vida, vê-se obrigada a realizar grandes feitos tidos erroneamente como originais criações. A genialidade atrapalha o crescimento espontâneo a partir da tua exploração como meta impossível de ser atingida. Criação e genialidade são diferentes pois a segunda refere-se a casos muito específicos e quando tomados como exemplos, metas a serem alcançadas estrangulam o processo criativo pois este nada tem a ver com lugares a serem alcançados mas com o desenrolar natural e orgânico da vida em relação a si e ao outro. Criar é processual, dá-se ao longo da vida, volta-se para a conscientização.
Capítulo VII.
"A criatividade nunca é apenas uma questão individual, mas não deixa de ser questão do indivíduo (..) Não se pode perder de vista que cada pessoa constitui um ser individual, ser in-divísivel em sua personalidade e na combinação única de suas potencialidades. Pensar na maioria dos homens somente como 'massa' (palavra derivada do grego máza, amassar pão), como algo desprovido de espinha dorsal, algo passivo a ser moldado por pressões e condicionamentos 'massificantes', não condiz com o ideal humanista, de respeito por potencialidades especificamente humanas." (pg. 147)
"Ser espontâneo nada tem a ver com ser independente de influências. Isso em si é impossível ao ser humano. Ser espontâneo apenas significa ser coerente consigo mesmo. Este é o problema. Não será impossível, mas fácil também não será. Porque, para ser espontâneo, para viver de modo autêntico e interiormente coerente, o indivíduo teria que ter podido integrar-se em sua personalidade, teria que ter alcançado alguma medida de realização de suas possibilidades específicas, uma medida de conscientização. Nessa medida ele será espontâneo diante das influências." (pg. 147)
"Frente à realidade concreta e em qualquer situação de vida, o indivíduo é delimitado por uma série de fatores (de ordem material, ambiental, social, cultural, e de ordem interna vivencial, afetiva) que se combinam em múltiplos níveis intelectuais e emocionais, em parte tornando-se conhecidos, conscientes e em parte permanecendo desconhecidos, inconscientes. Face à complexidade dos níveis e das qualificações mútuas, o equilíbrio interior é uma verdadeira conquista para o indivíduo, já porque a multitude de limites em tempos e espaços vários, ele a vive. E, no viver, ele próprio se transforma e altera os componentes de seu equilíbrio interior. Mas seja como for, são essas delimitações internas, relacionadas entre si e ordenadas em termos qualificadores, que nos fornecem uma medida de referência para avaliar a realização de nossas potencialidades. são elas que permitem nossa orientação seletiva. Dá-se um processo dialético: somos capazes de ampliar-nos coerentemente porque nos delimitamos coerentemente. Podemos responder à vida espontaneamente e em aberto porque a partir de nossa seletividade estruturamos a abertura à vida. Podemos estabelecer ordenações novas, dar forma aos fenômenos, dar significados, pois ao criar sempre delimitamos." (pg. 149)
"Como é entendida hoje, a liberdade de criação se confunde com a liberdade de expressão pessoal, uma vez que a criação é identificada unicamente com a auto-expressão. Nesse enfoque a liberdade de criar é caracterizada pela opção descompromissada e individual de como criar e o que criar. O ato criador é visto apenas em suas qualificações subjetivas; apenas, também, como ato expressivo, pois os aspectos expressivos predominam sobre os aspectos comunicativos. A obra criada é vista como uma mensagem de vivências pessoais." (pg. 150)
"Em outras palavras, no caso de Akhen-Aton a mudança de culto implicou mais do que apenas uma troca de divindade. Correspondeu a uma nova concepção de vida, a aspirações reformuladas em seu conteúdo espiritual, a um novo conteúdo existencial. É verdade que deparamos com uma constelação de circunstâncias históricas sui generis, onde um único indivíduo formula essa visão de vida e o mesmo indivíduo exerce tamanho poder sobre o contexto social a ponto de impregnar todo o fazer cultural da época. Mas somente por tratar-se de um processo de conscientização e de uma mentalidade nova é que pôde surgir um novo estilo." (pg. 154)
"Desde o século passado, a criação também subentende a expressão pessoal. Nesse sentido mais individualista, ela faz parte dos significados do nosso contexto cultural. Assim, ainda que as condições objetivas variem bastante, pode-se dizer que de um modo geral a liberdade criativa, isto é, a liberdade de expressão individual é compreendida pela sociedade moderna dentro da ação individual. A sociedade implicitamente propõe a liberdade junto com a ação. Contudo, o problema é mais complexo. Inegavelmente existe hoje uma liberdade, de ação e expressão, maior do que em épocas passadas, com opções pessoais. Essa liberdade deve ser considerada uma aquisição importante da cultura humana ao longo de seu curso histórico. Mas, parar aqui, seria ver uma parte apenas do problema de criação. Se, em termos individuais, se adquiriu uma liberdade diferente da que existia na Idade Média ou mesmo na Grécia, porque também se adquiriu o direito de se pensar na liberdade de expressão como uma questão a ser pensada, é bastante duvidoso se por isso seríamos mais criativos hoje do que o homem medieval ou grego. Em cada contexto cultural ocorre outro tipo de envolvimento. É o envolvimento por valores espirituais que podem permitir ou não a integração da individualidade e , com isso, permitem ou não a realização das potencialidades criativas. O que se questiona aqui é precisamente o conteúdo da liberdade de expressão. Com os envolvimentos de uma sociedade de consumo em que vivemos, onde unicamente nos cabe a função de consumidores - do nascer ao morrer, consumidores - e cujas metas nos chegam como influências corrosivas, pressões, imposições diante das quais é difícil se estruturar e não se perder em superficialidades ou incoerências, com tudo isso coloca-se a liberdade existente como 'a' liberdade. Mas, no que não se permite uma visão crítica das premissas desses envolvimentos, será uma liberdade aparente. Ao mesmo tempo, formula-se para a criação, em termos teóricos, o ideal de uma liberdade absoluta, sem limites. É outra falsificação. Esse tipo de liberdade está fora das possibilidades humanas e, portanto, não tem significado." (pg. 159, 160)
"Por mera habilidade poder-se-ia fazer muita coisa. Resta saber, porém, se esse 'muita coisa' é apenas um fazer por fazer ou se encerra um compromisso interior com aquilo que se está fazendo." (pg. 161)
"Criar é poder relacionar com precisão. Ou melhor ainda, criar é relacionar com adequação. O referencial dos limites permite que nos relacionamentos se use o senso de proporção, se avalie a justeza no que se faça. Se por algum motivo tivéssemos que estabelecer uma única qualificação condicional para o que é criativo, essa qualificação seria a da adequação, não seria a inovação nem a originalidade. seria a maneira justa e apropriada por que se corresponderiam as delimitações de um conteúdo expressivo e as delimitações de uma materialidade (os meios usados para se configurar). Não teríamos menos do que no caso fosse necessário, pois o resultado seria pobre, insuficiente e não-criativo, mas também não teríamos mais do que o necessário, cujo resultado por sua vez seria não-criativo no sentido de não-verdadeiro, irreal, excessivo, talvez até bombástico e vazio (consequentemente, a originalidade em si não é critério de criação)." (pg. 163)
RESUMO COMENTADO
Existe uma ordenação interior e individual que precede à cultura, por exemplo. De uma certa forma, somos influenciados por aquilo que nós temos uma afinidade, a nível de ser criativo espontâneo. É essa ordem que seletivamente nos relaciona afetivamente com as influências. A todo tempo, somos colocados em frente a fenômenos novos - pois que as formas, configurações não se repetem - e a partir de nossa seletividade interior, escolhemos nos relacionar com alguns e não com outros. A liberdade de expressão encontra-se na liberdade de criação mas o contrário nem sempre existe, pois a segunda está aliada ao crescimento e à conscientização enquanto que a primeira pode estar somente aliada à uma expressão consumista, alienada. De qualquer forma a liberdade não é nem absoluta nem imposta. A liberdade é um envolvimento espiritual e de respeito consigo e com o próximo. A delimitação ou limitação não é proibitiva, é ela que possibilita configurar os fenômenos e perceber.
bafõnico
ResponderExcluirqual a sua formação manuel?
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